Plano Safra, agricultura familiar e preço dos alimentos: os desafios do momento

Da redação

Lançada em junho deste ano para abarcar o período 2021/2022, a versão atual do Plano Safra prevê R$ 251,2 bilhões em financiamentos para produtores rurais – um incremento de 6,3% em relação ao montante da última edição do programa –, mas está deixando a desejar em termos de atendimento às necessidades atuais dos pequenos agricultores. É o que afirmam entidades e trabalhadores do segmento, que se queixam de falta de enquadramento da política ao contexto gerado pela pandemia.

Pequenos agricultores tem enfrentado um cenário de superelevação dos custos / Tony Winston/Agência Brasília

Uma das principais reclamações diz respeito ao teto do financiamento para camponeses com esse perfil, que permanece em R$ 250 mil. De acordo com o agricultor familiar Maiquel Roberto Junges, 37, o valor não considera o atual contexto de aumento dos custos de produção.

Junges atua junto com os irmãos em uma pequena propriedade no município de Não-Me-Toques, interior do Rio Grande do Sul, onde a família produz leite, soja, milho, trigo e hortaliças. A mercadoria é vendida tanto em uma feira popular da cidade como é escoada para cooperativas e indústrias que utilizam os insumos para a produção de diversos gêneros.

No embalo da piora da crise econômica, movida especialmente pelo alastramento descontrolado do novo coronavírus, o agricultor conta que a família tem enfrentado um cenário de superelevação dos custos. O destaque principal é o adubo, cuja tonelada saía por R$ 1.700 em 2020 e agora já ultrapassa a marca dos R$ 4 mil.

Maiquel conta que, neste primeiro semestre de 2021, obteve três diferentes financiamentos pelo Plano Safra para ter condições de custear o trabalho na unidade rural. A busca por esse tipo de política é comum na vida dos produtores rurais e geralmente ocorre em diferentes momentos.

No caso do gaúcho, o primeiro, em janeiro, foi de R$ 35 mil para fazer o plantio para pastagem do gado; o segundo veio em abril, no valor de R$ 40 mil, e é voltado ao plantio da cultura do trigo; o outro, destinado às plantações de milho e soja, veio no patamar de R$ 55 mil. Os dois primeiros se enquadraram no período da edição anterior do Plano Safra e o último já veio dentro da versão atual da política.

Custos de produção no campo tendem a provocar aumento do preço dos alimentos voltados ao consumidor final – Arisom Jardim/Secom do Acre

O programa geralmente começa em julho de um ano e segue até junho do exercício seguinte, quando o governo federal costuma lançar uma nova edição da política, que é periódica e existe desde 2003. Maiquel explica que o financiamento de R$ 250 mil, teto oferecido pelo governo Bolsonaro, é insuficiente para uma parte das propriedades. Na região onde o gaúcho trabalha, um pequeno agricultor, para ser reconhecido como tal, pode produzir em até 80 hectares.

Ele contesta a avaliação do governo de que a verba prevista para o Plano Safra 2021/2022 seria suficiente para as necessidades do setor, como disse o diretor do Departamento de Crédito e Informação do Ministério da Agricultura, Wilson Araújo, durante o lançamento da nova edição da política, no final de junho.  

“O agricultor toma inúmeros créditos durante o ano. Todos aqueles que passam de 40 hectares não conseguem plantar toda sua terra com recurso oficial porque o máximo que você consegue plantar com os R$ 250 mil [do Plano Safra] são 40 hectares”. 

Preços

Maiquel conta que, como efeito colateral, a falta de melhores condições de financiamento e o aumento dos custos de produção provocaram alta nos preços para o consumidor final. O problema se verifica em todo o país. Dados atualizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no começo de julho mostram que, entre abril e maio, por exemplo, os preços dos alimentos subiram em média 1,48%.

Os preços observados em maio deste ano são 30,54% maiores que os do mesmo período do ano passado, de acordo com a instituição.

“Nós também repassamos alguns custos de produção pro consumidor. E o que se visualiza é que o assalariado tem cada vez tem menos poder aquisitivo, visto que outros custos também aumentaram para ele – água, telefone, luz. Ele também sempre pechincha para pagar mais barato e, muitas vezes, nós cedemos para ajudar a população”, conta Maiquel Junges.

O mesmo problema tem se dado com o agricultor César Gondim, que vive em Tabuleiro do Norte, no Vale do Jaguaribe, interior do Ceará. Ele produz limão, milho, carne e capim destinado ao gado na região, onde houve alta geral dos preços, como é o caso da energia e dos insumos utilizados na propriedade. O trabalhador conta que as sementes, por exemplo, registraram alta de cerca de 25%. Como resultado dos novos valores, os preços foram repassados ao consumidor.

“A arroba [cerca de 15 kg] do gado custava entre R$ 150 e R$ 180 antes da pandemia. O valor chegou a R$ 300 nos períodos mais críticos da pandemia e agora está entre R$ 250 e R$ 280”, exemplifica Gondim, que costuma vender o produto para açougues da localidade.

“Eles reclamaram do preço, mas esse aumento veio pelo aumento geral, de tudo. A situação está realmente muito difícil. O acesso a banco ficou mais complicado, tudo ficou mais difícil. Infelizmente, estamos nessa situação”, desabafa.

Juros e assistência técnica

A falta de um maior fomento do Plano Safra 2021/2022 para pequenos agricultores e todo o contexto que gera a alta no preço dos alimentos têm provocado uma série de protestos por parte de entidades populares. É o caso, por exemplo, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf).

Os pequenos produtores se queixam ainda do aumento das taxas de juros previstas pela nova edição do Plano Safra, que foram ampliadas em 10% ao ano, em média. As entidades do setor apontam que, apesar de ser baixa, a alta ainda prejudica trabalhadores com menos recursos, que não podem pagar reajustes nesse patamar.

O segmento também se queixa de problemas na área de assistência técnica, atividade em que o governo Bolsonaro tem feito investimentos desde o ano passado no atendimento virtual. As entidades afirmam que boa parte dos trabalhadores rurais ainda não tem condições estruturais de acessar serviços digitais.

O grupo vem denunciando também a falta de mais recursos para a área de assistência técnica e extensão rural, cuja previsão é de cerca de R$ 81 milhões. A atividade já teve verbas da ordem de R$ 600 milhões no Brasil. O problema foi reconhecido recentemente pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, pasta à qual cabe a coordenação do Plano Safra.

“A assistência digital vai ser essa ferramenta de a gente poder maximizar mais essa assistência técnica, não dispensando a presencial. Precisamos de recursos, temos que trabalhar no orçamento que será votado. Crédito a gente consegue, mas assistência técnica é mais demorada, mais dedicação, mais planejamento para que possamos caminhar e fazer cada vez mais”, disse a mandatária no debate de lançamento da política, no final de junho.

“Os recursos que foram anunciados são ínfimos e não dão conta da realidade da agricultura familiar. Todo mundo sabe que um acompanhamento técnico, a assistência técnica e a extensão rural, é estratégico para que os agricultores, tendo um bom acompanhamento, possam ter melhores condições de produzir”, relaciona Auri Junior, da Fretraf no Ceará.

Também coordenador de produção e reforma agrária da Contraf Brasil – confederação que reúne todas as unidades da Fetraf –, o dirigente realça que a falta de políticas mais robustas para os camponeses prejudica “inevitavelmente” as famílias brasileiras por conta da alta dos preços.  

“Se o governo estivesse injetando mais recursos no andar de baixo da agricultura, a inflação não estaria nesta situação de agora. O que está faltando no Brasil é política pública que pense nisso, mas não tem. É por isso que já tem quase dois anos que a agricultura familiar está ficando sem

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